Sim, já consigo ver você, caríssimo leitor, revirando os olhos de
tédio. Mas deixe que eu advirta duas coisas: a primeira delas é que o
motivo principal desta postagem não é apresentar um de meus
poemas; a segunda trata-se de lembrar ao convidado que ele está lendo um
blog e que portanto não precisa guardar nenhuma espécie de falso
interesse para exercitar os modos e a habilidade evolutiva mais útil em
sociedade. Me referia à dissimulação.
Com efeito, meu caro, retire os sapatos e simplesmente mude de
página, caso esta não te agrade, porque, devo dizer? agora estou
pensando comigo mesmo que motivos eu tenho para escrever poemas, e não
me parece haver resposta que me satisfaça. Ou pelo menos não uma que
possa me satisfazer e que ao mesmo tempo seja crível.
O que quero dizer? Nem eu mesmo o sei. Carrego um desejo de alcançar
certo ideal de beleza que trago comigo. Beleza traduzida na proporção em
que acerto a colocação das palavras dentro do verso, sua escolha
precisa, sua "cor" adequada ao timbre do poema. Me frustra saber que não
o consigo tanto quanto gostaria e, mais, que quando o consigo, logo me
faltam mais palavras acertadas e tenho de voltar à intensa luta com o
pronome, o substantivo, o adjetivo e o verbo, com o perdão das classes
que ficaram de fora.
Algumas pessoas que conheço e para quem já mostrei algum de meus
poemas me perguntaram porque nunca os publiquei, a resposta mais honesta
seria dizer que não deu. E por que não deu? Não deu porque eu não tinha
poemas o suficiente. Demoro para escrever. A poesia fica deitada lá,
seja na folha do caderno, seja no arquivo de computador, por semanas,
meses... já finalizei poema que ficou mais de um ano engavetado, e,
nesse ritmo, não tenho nem 50 poemas prontos. O mercado editorial quer
poemas espertos e a granel. Foi-se o tempo dos opúsculos. Ninguém
publicaria nenhum dos livros de poemas que marcaram as gerações
modernistas. Os leitores de poesia precupam-se se os seus quarenta e
cinco reais compram mais de 150 páginas.
Nunca publiquei meus poemas, mas enviei sim a uma revista ou outra,
onde publicaram versos que hoje abomino e preferiria não os haver
mandado. Fazer o quê? Estão lá. Paguei o preço que se paga para ser
lido. A possibilidade do arrependimento.
Ser lido, para mim, é algo de um desejo fundamental? Sim. Eu gostaria
de ser lido, se não por muita gente, por muita gente que tenha
sentimentos estéticos apurados. A fama não me ilude, reconhecimento
verdadeiro se dá entre iguais: eis o motivo do desejo: me reconhecer
como poeta através do olhar e do sentimento do outro. Até lá, não me
chamo de poeta e talvez nunca me defina dessa maneira. Isto é, de certa
forma não acredito que o caminho para esse auto-reconhecimento seja
evidente: sou publicado e notado por essa ou aquela pessoa? E daí? Onde
começa a fruição real e onde termina o pedante consumo de "cultura"? Não
quero me reconhecer no espelho dos olhos dos pernósticos.
Conquanto deseje ser lido, esse desejo é muito menor que o desejo de
alcançar um tipo de ideal estético que pra mim é ainda sequer claro o
bastante. E aqui não estou romantizando e falando de "minha voz".
Foda-se minha voz. A originalidade é um feliz acidente no percurso do
aprendiz. Se trago algo de novo nos meus poemas, não é culpa ou mérito
meu, foi como as coisas aconteceram.
Eu não sinto em mim a necessidade quase física de Rilke em fazer
versos (apesar de me afligir ficar sem escrever nada por longos
períodos), nem acho que o poeta é quem vê a realidade de uma maneira
diferente. No primeiro caso, acho que o Rilke sofria dos nervos. No
segundo caso, de certa forma, todos vêem o real de maneira distinta.
Poesia pra mim é oficiar com a palavra e com a língua, mais que com o
real ou o imaginado. É fazer estripolias semânticas e sintáticas, usar a
linguagem de uma maneira inesperada onde não só a carga de sentido das
palavras ganha uma dimensão completamente nova, como também evocam (seja
pela musicalidade ou pela falta dela) verdadeiros ambientes onde se
passa tudo aquilo que está escrito. O poema é um ecossistema onde as
palavras se relacionam de maneira livre. E quanto mais rico, mais frágil
ele é.
Manter o equilíbrio de um verso já é difícil o bastante, manter o
equilíbrio de um poema inteiro é desafiador. Uma pequena vírgula muda
tudo, uma proparoxítona no lugar errado e o castelo de cartas cai por
terra. Oficiar com a palavra também exige paciência, como um jogo bem
jogado onde o adversário é você com e seu desejo pulsante de arrematar e
ver se ficou "bom o bastante". Me convenci que "bom o bastante" não
existe em matéria de poesia. Existem apenas dois estados de poema: os
completos e os incompletos. Também aprendi que ter um poema completo,
muitas vezes, significa, em oposição a continuar, saber quando parar de
escrever. E essa digressão me faz voltar à pergunta: por que escrevo?